O Feng Shui e a transformação
Em 1992, minha mãe faleceu. Algum tempo depois, nos reunimos com um advogado para partilhar a herança. Dizem que, em momentos assim, conhecemos verdadeiramente as pessoas e o que elas realmente pensam de nós. Era um daqueles dias carregados de expectativa e tensão. Estávamos todos sentados ao redor da grande mesa que havia sido do nosso avô — um homem cujo suor e sacrifício construíram o patrimônio da família.
"Então, o que cada um de vocês deseja?", perguntou o advogado, rompendo o silêncio pesado da sala.
Minha irmã foi a primeira a se pronunciar. Sem hesitar, disse que queria a casa onde meu filho mais velho morava com a família. A frase dela pairou no ar como um golpe. Ela se sentia preterida porque nossa mãe havia doado uma casa para os meus filhos, mas não havia deixado nada para as filhas dela. A mágoa que ela carregava há tanto tempo finalmente explodira. Logo em seguida, um a um, os outros irmãos foram falando, e todos — sem exceção — queriam o prédio que eu havia construído, o mais bonito, o mais valorizado.
Quando chegou a minha vez, simplesmente disse: "Quero o que sobrar." Meu pai, que até então se mantivera quieto, insistiu que eu ficasse com o prédio, mas declinei com um sorriso suave. Era mais do que um imóvel, era uma decisão que falava sobre quem eu era e o que eu queria para a minha vida.
Após semanas de reuniões, finalmente ficou decidido: eu ficaria com a casa onde meu filho morava e um terreno valioso em Higienópolis. O terreno, embora representasse uma boa fatia do patrimônio, para mim era mais do que isso — era uma oportunidade de realizar um sonho antigo. Passando pela minha rua, vi uma cobertura à venda e, quase por impulso, anotei o telefone. Quando entrei em contato e visitei o local, algo naquela altura me encantou. Horas de negociações depois, fechei negócio: troquei o terreno por aquela cobertura e, para minha surpresa, ainda recebi três apartamentos no mesmo edifício.
Reformei toda a cobertura, transformando-a em uma joia. Mas havia algo que me incomodava. Quando olhava pelas janelas, tudo que via eram prédios e mais prédios, uma selva de concreto que me sufocava. Comecei a sonhar em colar nas janelas filmes com paisagens de florestas, montanhas e rios. E foi nesse ponto que minha vida tomou uma nova direção.
Eu já estava cansada da arquitetura e da construção, então decidi me aprofundar no Feng Shui. Desde a primeira aula, fiquei fascinada. Era como abrir uma janela para um mundo de cinco mil anos de conhecimento chinês que se desdobrava à minha frente. O Feng Shui me ensinou que certas energias têm um poder que vai além do visível, e comecei a aplicá-lo na minha própria vida.
Na janela da minha cozinha, por onde entrava a melhor energia do período 7, montei minha pequena “fazenda”. Tinha um porquinho, um cavalinho, um patinho, uma vaca, galinhas e até um elefantinho de cerâmica. Era uma espécie de alívio para a minha saudade do campo, um pequeno refúgio verde no meio da cidade.
Então, minha filha me trouxe um presente inesperado: uma pequena poodle que batizei de Misty. Ela era uma bolinha de pelos brancos que irradiava alegria. Meu marido, no entanto, achava um absurdo ter cachorro em um apartamento, mesmo que fosse na cobertura com espaço ao ar livre. Depois de muito insistir, ele sugeriu algo inesperado: "Vamos arrumar um sítio."
E foi aí que minha vida mudou de vez.
Passamos meses procurando o lugar perfeito — algo com vista, mata, pedras e, claro, um rio de águas correntes. Quando finalmente encontramos o terreno, ele não tinha luz, estrada ou qualquer infraestrutura, mas era exatamente o que eu sonhava. Compramos o sítio por um valor surpreendentemente acessível. Metade da minha cobertura pagou pela casa no Rancho, inclusive uma piscina. O que começou como um simples refúgio de fim de semana se transformou na nossa morada definitiva.
E foi assim que realizei o sonho que eu sempre pensei ser impossível: morar no meio do mato, cercada por natureza, com Misty correndo pelos campos e uma paz que eu jamais encontraria na cidade. Aqui, finalmente, sou verdadeiramente feliz.